Convidamos o poeta e romancista Victor Heringer para responder em poucas palavras qual poema para ele é um monumento, um rio e um mar.
Victor Heringer nasceu no Rio de Janeiro, onde vive (apesar de morar em São Paulo). É autor das plaquetes de poesia, “Quando você foi árvore” (2010) e “canção do sumidouro” (2010), do livro de poemas “automatógrafo” (7Letras, 2010), e do romance “Glória”, segundo colocado no prêmio Jabuti. Também artista visual e sonoro, Heringer usa elementos visuais para suas pesquisas e trabalhos poéticos multimídias. Assina a coluna Milímetros da revista Pessoa.
Na sequência, a justificativa de Heringer e o poema escolhido.
“Não é de hoje que digo que meu poeta mais amado é o nosso maior poeta menor, Manuel Bandeira (Sou poeta menor, perdoai!). Mas eu costumava dizer que o meu preferido era o Poema só para Jayme Ovalle. Nesse o Manuel tinha se superado, eu dizia, esse era o mais luminoso dos poemas menores. Eu tinha uma teoria: atualmente o mito do poeta menor era importantíssimo para nós, gente sem deus, sem pátria e sem rumo cósmico. Gente miúda no melhor dos sentidos. Abaixo as poéticas continentais, sobre-humanas, infalíveis! – era basicamente o que eu queria dizer. Mas hoje não tem teoria, eu quero é ser feliz. Vou de Cantiga: é Cantiga o poema mais importante de todos, porque é o estágio mais denso da alegria, no qual morte e felicidade se fundem. Um poema cravado bem no meio de uma bateria de carnaval em repouso. “
Cantiga
Manuel Bandeira
Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.
Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela-dalva
Rainha do mar.
Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.
Dois poemas de Victor Heringer indicados pela Revista Pessoa.
cotovelo no asfalto em cotovelo cotovela.
a fila espera. estou na fila. espero também.
a fila dá a volta num quarteirão inteiro
que suspeito não ser um quadrado perfeito.
não sei o que espero. não sei se a fila sabe.
espero. não pergunto. seria ridículo, agora,
depois de tantas horas com a mesma cara
bovina. sei fazer cara bovina. muito bem.
trouxe coisas para me ocupar: um jornal;
um lápis para escrever o Tratado para a
desinvenção da penicilina, opus magnum
romantiquinha; cinco dores (uma moral).
esqueci algumas outras coisas. me ocupo
com as que ficaram longe: o mínimo
necessário (por exemplo) para aterrissar
um aeroplano num rio que parece o mar.
a fila anda. eu ando atrás. não sei do quê.
ouvi dizer que é bom, bonito, barato não sei.
ouvi dizer de esquina, assim, canto de boca,
assim um sussurro que cotovelou o quarteirão
que não é um quadrado perfeito porque aqui
é o Rio de Janeiro. aquele é aquele. olharam
para mim. meu nome deu a volta no cotovelo dobrei meu rosto. tenho que esperar. espero.
não posso ir, agora, bovinamente, falam de mim:
aquele que nem chegou a amar aquela ali
no espaço daquele dia. o que faz logo aqui.
a fila anda. eu ando atrás. não sei do quê.
§
Carlos Henrique Schroeder
É autor de Ensaio do vazio (7Letras, 2007), adaptado para os quadrinhos; da coletânea de contos As certezas e as palavras (Editora da Casa, 2010), vencedora do Prêmio Clarice Lispector, da Fundação Biblioteca Nacional, e do romance As fantasias eletivas (Record, 2014), em adaptação cinematográfica e lançado na Espanha pela Maresia Libros. Este livro também foi leitura indicada nos vestibulares UFSC, UDESC e Acafe nos anos de 2016 e 2017. Publicou também História da chuva (Record, 2015), obra contemplada pela bolsa Petrobras Cultural. Em 2020 lançou Aranhas (Record), com narrativas breves inspiradas em espécies de aranhas. Tem contos traduzidos para o inglês, alemão, espanhol e islandês.