Há muito tempo desapareceu Luísa Porto, e um poeta conhecido fez apelo público:
A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providências.
Minha Luísa não desapareceu, não que eu saiba, é que não sabia de sua existência. Ao sabê-lo, fiquei erma de suas leituras, tal qual ficara a mãe de Luísa Porto dos cuidados da filha.
América – uma história portuguesa foi o filme anunciado no canal fechado. Um filme português, onde se ouvia também russo e espanhol, entende-se que seja legendado nas partes de língua estrangeira. Mas a legenda, em português do Brasil, acompanhava todos os diálogos, mesmo aqueles em língua materna. Bizarro, diria minha filha mais jovem; sedutor, senti, ouvir uma palavra na sua língua, ler outra na tradução palatável. (A intimidade com a língua pede tempo e páginas).
Que Portugal é este que me vai aparecendo? Onde encaixar nele a vizinha que tive, avô e avó que me vão legar a cidadania, a outra avó, de Pinheiro Novo, aldeia pobre por ela abandonada no sonho de Brasil? Pouco me contaram eles. Sou injusta, a segunda me disse coisas: casada com um mulato, as paredes da varanda da casa deles carregavam a paisagem portuguesa, eu menina subia montes, via carneiros, riachos. Ouvia diferente a língua que falava, rolava na boca o nome estranho, Águeda.
Mas este Portugal, que segundo os créditos finais, vem do conto “A Criação do Mundo”, de autoria da Luísa que quero encontrar, que terra é? Uma mulher russa, emigrantes do leste Europeu, de África, do Brasil, de Espanha. Que quadrilhas vendendo papéis, permanências? Que Macondo da globalização com um barco entrando telhado da casa adentro em noite de vendaval e lá empedrando-se como calhau atirado em reboco fresco? E a anciã, desinteressada da vida, que resiste à hora de partir? E o menino, cuidado pela mãe que fala com ele em russo? Emudece e, ao voltar a falar, é o português do puto pai que lhe sai da boca. “Estou com fome.” Ao sacrifício da própria vida, e por seus motivos, a mãe vai dar de comer ao miúdo.
Como o guri, também tenho fome. Quero saber onde encontrar Luísa, esta Costa Gomes.
A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a esta coluna.
Apanharei o recado para poder ler portugais,
saciar fome antiga e presente.
* “Desaparecimento de Luísa Porto”, de Carlos Drummond de Andrade, pode ser encontrado aqui, ou às pp. 154-7, de Reunião: 10 livro de poesias, 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.
** O filme é de João Nuno Pinto, realizado em parceria com produtoras de Portugal, Brasil, Espanha e Rússia, 2010. Entrevista em Papo de cinema.