Procuro um texto para o encontro com professoras (raríssimos os homens) sobre formação de leitores. Tateando entre obras da literatura brasileira, toquei neste Gozo Fabuloso que uma amiga (um amigo?, é possível) me presenteou há algum tempo, e de que li muito pouco, ou nada. Abro o livro ao acaso, o conto se põe em minhas mãos. Leio de pé mesmo, junto da estante. Me pergunto como é que não o li antes. Não é uma pergunta inteligente, sei. Traduz espanto pelo encontro inesperado com aquilo que não se sabe que está buscando, e é tudo o que se buscava.
Um jagunço, dos últimos de Canudos, é levado à presença de um tenente que quer tratá-lo com humanidade, em contraposição ao sargento bárbaro, que acaba deixando os dois a sós. A uma distração, o jagunço toma a arma do sargento deixada ali para a defesa do outro, caso se fizesse necessário.
– E agora, tenente?, ele falou. O mundo virou, não virou? Agora eu faço as perguntas.
Fez mira e perguntou:
– Como é que você se chama?
O tenente deu um passo para trás e disse, “Euclides”.
– Euclides de quê?
– Da Cunha.
– Tenente Euclides da Cunha, eu só não lhe mato porque sei que vou morrer. E sabe por que não lhe mato? Porque eu sei que o senhor vai contar essa nossa história. E vai contar direitinho. O senhor não vai mentir. Quero que me prometa agora, que jure por tudo que é mais sagrado. Se o senhor não jurar, eu morro, mas o senhor é um homem morto. Jura!
Euclides olhou aquilo como se visse o sol nascendo à meia-noite. E teve que falar:
– Juro.
O jagunço abaixou a arma, abaixou a cabeça, e ficou quieto.
Euclides foi até a porta da barraca e chamou o sargento.
O sargento entrou, agarrou o jagunço pelo cabelo e o atirou lá fora.
Virou para um grupo de soldados e ordenou:
– Sem prisioneiros, o general falou.
“Gente do Conselheiro”. Os reis magos me visitam. Recolho ouro, incenso e mirra, depositados na prateleira.
* LEMINSKI, Paulo. Gente do Conselheiro. In: ___. Gozo fabuloso. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2004. pp. 115-8.