Dias na praia, voltar com ladrilhos na cabeça para novos pavimentos. Na viagem de ida, o jornal comprado no aeroporto, a notícia de que Oliver Sacks tem um tumor letal, poucas semanas de vida, e um texto falando da morte próxima, em gratidão pela vida. Publicado no The New York Times, circula já pela web. Na volta, uma crônica de Agualusa, no mesmo O Globo, comentando o texto de Sacks, homenageando o grande narrador que ele é, prestando tributo à literatura que subjaz em seus textos.
A essa altura, também o texto de Agualusa circula pela web, mas levei o impresso para abrir meus cursos de Pesquisa e Prática de Ensino em Letras, na Universidade Federal Fluminense, onde exerço outro lado de mim. Belíssimo encontro entre Agualusa, Sacks, alunos, alunas. Reflexões instigantes, intervenções argutas. Ao final, na decisão de como vamos nos comunicar de forma eficiente, aquela história de trabalho adiado para o dia tal, leituras para discussão, retificação de agenda etc., a opção foi pelo Facebook. Criar página do grupo surge como tarefa do aluno ou da aluna disponível, e vamos escolher o nome.
O texto de Agualusa, as densas frases de reflexão dos grupos minam a secura das objetividades. Surgem os nomes de Cavalo-marinho (hipocampo em grego, como lembra o escritor) e Da técnica à sensibilidade: pra que serve a literatura?
Nesta página, a perspectiva crítica de que professores que não se apropriaram da literatura a ensinam como sistema, sem sentimentos, sem presença do humano, deixando a literatura em perigo, como diz Todorov. Valem-se de preconceitos, cansaços e que tais, então: linha do tempo, estilos, datas, autores, obras. Para quê?
Na Itália, Agualusa conheceu uma moça que tinha um cavalo-marinho tatuado no pulso para não se esquecer do que, por muito tempo, foi. Tivera um tumor no hipocampo, que a levava a incríveis alucinações. Crescida, retirado o tumor, seria então mais saudável, mas reconhecera a perda de preciosa parte de si. Sem as alucinações, a vida se contraía, modificada.
Tatuo meu hipocampo no pulso esquerdo para não me esquecer de que, muito jovem ainda, me foi dada a literatura como promessa do possível, expansão do novelo a se desenrolar em meio ao labirinto e estender como colar de porquês a salgar a vida. A vida para além da que temos.
* José Eduardo Agualusa. A morte anunciada de Oliver Sacks. O Globo, 2/03/2015. Segundo Caderno, p. 2.
* http://beneviani.blogspot.com.br/2015/03/a-morte-anunciada-de-oliver-sacks-jose.html