Finou-se um tal inglês
Gastrônomo e patife
Que tanto — de uma vez
Comeu, comeu e esparramou-se em bife;
Que um dia de jejum,
Pela pança rotunda e quixotesca,
Teve um parto... comum,
Um feto original... de carne fresca.
Cruz e Souza
Outubro, logo mais novembro. Na virada do mês, lembraremos com amor os nossos mortos, cumprindo uma antiga tradição.
A propósito do Dia de Finados, faço um apanhado de cinco anedotas sobre as nossas horas contadas, a única garantia que temos na vida: a excursão que, mais cedo ou mais tarde, todos faremos para a cidade dos pés juntos.
Se a viagem é inevitável, que ao menos haja nela algum humor.
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Obcecado com aspirantes a atrizes, um idoso quiromaníaco vivia de assistir aos exercícios de interpretação dessas coquetes na internet, o seu modo particular de lidar com a solidão. A família só descobriu o vício quando – e lá se foram alguns bons dias de chamadas não atendidas – encontrou o velho morto em sua casa, uma mão sobre o notebook e a outra na cumbuca, o corpo já apodrecendo no sofá, uma cena desgraçada de se ver.
Ao encontrar o patriarca daquela forma – a calça ia arriada até os joelhos, enquanto a mão, presa entre as pernas, parecia interrompida em meio ao movimento, inchada –, o neto tentou aliviar a sua barra, em genuína empatia gaiteira. Saiu-se como pôde, o menino, improvisando o impossível:
— Gostava tanto de piada, o vovô... Pelo menos morreu de um jeito gozado.
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Na editoria de cultura do jornal, a estagiária comenta com o chefe, um jornalista da velha escola, tiozão seboso já com um pé na barca de Caronte:
— Sabe aquele tal Highlander, o esquisitão sobre quem publicamos matéria no ano passado? Está querendo conversar com você sobre uma nova exposição. Parece que agora é coisa boa.
Ao ouvir o recado, o homem até tenta, mas não resiste à piada pronta, como era a sua praxe: “Mas esse não morre tão cedo!” Coincidentemente, em seguida, um aperto no coração, a mão levada ao peito às pressas e a tentativa frustrada de ainda dizer, antes do suspiro final, algo como “ao contrário de mim...”
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Preparando o velório de Maria das Dores, os parentes da capital estranharam quando ouviram o carro de som passar na rua anunciando a sua morte. De quem teria sido a ideia de pagar por algo tão constrangedor?
Como ninguém da região assumisse a iniciativa, começou um disse me disse. “É que aqui no interior é assim mesmo, sabe?”, diziam uns, tentando se justificar. “Tudo gente muito religiosa...”, emendavam outros, como se falassem de estranhos, e não de si mesmos.
A coisa piorou quando o carro passou perto e foi possível ouvir a íntegra da mensagem. Com a voz embargada, o motorista anunciava: “Maria das Dores convida para o seu velório. Será hoje à noite, às oito horas, na sua casa, no seguinte endereço: (...) Das Dores pede para levar o que for comer. E NÃO REPARAR NOS PARENTES.”
Como ninguém arriscasse dar cabo do silêncio que se seguiu, o neto mais novo (é sempre o neto) cravou em tom grave, virando de uma só vez a cachaça que tinha nas mãos ainda sujas do trabalho na roça:
— Podia ser pior. Conhecendo bem a vó – e nessa hora ele serviu uma dose dupla, preparando o novo trago –, estranho mesmo foi ela não ter gravado a mensagem na própria voz...
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Com a crise, a dona do salão precisou arranjar um segundo emprego; os poucos clientes que apareciam, não voltavam; as contas não estavam fechando.
Sem muita opção, acabou aceitando um bico noturno na funerária da cidade, maquiar os defuntos para o enterro do dia seguinte.
“E com isso as coisas melhoraram?”, perguntavam os amigos, impressionados com a coragem da mulher — coisa de doido trabalhar com aquilo, só de imaginar já tremiam de medo.
Mas ela sempre dizia: “E como!” — e, para não deixar dúvidas, explicava, sem se furtar uma manhosa piscadela: “Hoje, todo cliente que chega ao salão eu atendo no mínimo duas vezes...”
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A história é conhecida: uma mulher de vestido branco entra no táxi em frente ao cemitério e, no fim da corrida, ao descer, esquece a bolsa de dinheiro.
Na ficção, o motorista retorna ao local e, para o seu desespero, recebe a informação de que uma mulher com aquela descrição tinha morrido ali muitos anos atrás — veja só, atropelada por um táxi.
Já na vida real, menos dada a essas literaturas, o camarada simplesmente encerra o expediente mais cedo e vai pro bar encher a cara com o bônus vindo do além. Pela última vez...