Mal posso esperar
Pra fugir da tristeza
John Ulhoa
Há alguns anos, neste mesmo oito de maio outonal, um meteoro vindo do grande asteroide Vesta rasgou o céu de Minas Gerais a mais de cinquenta mil quilômetros por hora, buscando aliviar de vez os nossos fardos. Era sexta-feira, e, mal surgiu no firmamento, o bólido desceu rápido na direção Norte, riscando fogo pelo céu. Infelizmente, para o azar dos que torciam, a pedra explodiu antes de alcançar o solo, a trinta quilômetros de altitude, vaporizando-se pelo caminho. Ao cabo, restou apenas como poeira cósmica — poeira e alguns pequenos meteoritos, que despencaram sem consequências sobre a cidade de Tiros.
Nesse mesmo momento, um vira-lata caramelo passeava calado perto da praça, sem saber aonde ir, achando tudo muito besta: a vida mesmo, em geral, mas principalmente a sua, em seu cinismo particular. Assustado com o clarão e seu barulho, o cachorro ameaçou correr, mas logo voltou ao seu mais do mesmo comezinho, na medida em que estouro algum dura para sempre. De resto, a explosão lhe fez pensar no estranho sumiço das pessoas, algo que já vinha lhe intrigando. Talvez uma coisa tivesse a ver com a outra, ele pensou, enquanto lambia as partes e caçava pulgas.
Passada a explosão, o céu era outra vez iluminado pela lua, que havia se tornado cheia na manhã anterior. Sob essa luz, de repente Caramelo mudou de ideia e disparou como um tiro na direção do coreto da praça, riscando fogo nos bloquetes hexagonais sobre os quais pisava, correndo atrás de alguma coisa só mesmo vislumbrada em sua imaginação, em meio à rua silenciosa e deserta. Foi um estalo, alguém poderia dizer; uma revelação. No caminho, outros vira-latas juntaram-se a ele, ainda que sem saber exatamente por que corriam, se buscando ou fugindo, o que de resto não mais parecia importar.