Agora que os gritos dos pássaros se calaram
e que é preciso tomar cuidado para conduzir com prudência a motocicleta.
A motocicleta (1963), André Pieyre de Mandiargues
Insistia em subir de moto na árvore.
Na verdade, o problema não era que aquela era uma Tipuana de difícil rodagem, mas sim que a única tração da qual dispunha era humana.
Já não aguentando mais olhar para cima, resolveu pedir emprestado, por gentileza, uma motocicleta aos frequentadores da praça Mal. Alberto Ferreira de Abreu, em frente ao Hospital Geral administrado pelo exército. Contudo, os motoqueiros, para quem seria óbvio solicitar aquele tipo de veículo, passavam ainda mais apressados, impedindo assim qualquer abordagem que excedesse um grito ou aceno.
Depois de semanas interpelando os transeuntes, interrompendo assobios e dissolvendo sonhações, chegou à conclusão de que, claro, seria mais fácil subir na árvore dirigindo um carro. Quem sabe até mesmo um jipe, desses que, dizem, “trepa até coqueiro”. Porém, ao expressar sua demanda aos recrutas de serviço, negativas marciais só trouxeram desilusão. Tampouco encontrou coqueiro algum nos arredores.
Ora, com a certeza de que o problema não passava de uma simples questão de eloquência, telefonou para Olegário, o professor de oratória.
E que alegria! Mal recebeu o diploma e lá estava na CG 160 se entregando às carícias da copa verdejante da Tipuana com Olegário na garupa. O pneu traseiro rodava em falso enquanto o barulho do motor cortando giro somado aos berros de entusiasmo espantou maritacas, pombos, pardais e até mesmo o vendedor de caldo de cana.
Foi uma farra tão grande que ninguém viu a aranha enorme que substituiu a peruca de Olegário e muito menos o disparo fatídico que ocasionaria o início da revolta.