Pessoa, o poeta, escreveu que “não podemos fazer da língua portuguesa o privilégio da humanidade”. A solução, segundo ele, seria usar “do inglês como língua científica e geral”, enquanto ao português recorreríamos “como língua literária e particular”. Para o poeta do sensacionismo, a nossa seria a língua usada “para o que queremos sentir”.
Até 2010, no entanto, não havia um espaço em que a língua portuguesa pudesse derramar sua polifonia de vozes, ritmos e narrativas. O leitor brasileiro pouco conhecia da sua contraparte moçambicana, angolana ou guineense, e vice-versa.
Ainda que a historiografia da literatura luso-brasileira tivesse registrado iniciativas semelhantes, o lançamento da Pessoa, a revista, naquele ano, proporcionou aos artesãos da língua portuguesa esse palco ausente na cena cultural da atualidade de uma comunidade de quase 290 milhões de pessoas em 9 países.
Dez anos, centenas de autores e milhares de textos depois, a revista inaugura sua próxima década com planos de ampliar o site para outras áreas do pensamento sem abandonar o espaço da literatura em prosa e verso que revelou ou projetou nomes da ficção em língua portuguesa.
“O tempo agora, de outro embate civilizacional, pede uma nova forma de enfrentar o mundo”, diz Mirna Queiroz, diretora editorial e criadora da Pessoa. “Naturalmente, a revista ganhará uma dimensão mais política e filosófica, sem jamais abandonar o literário, na tentativa de contribuir com um pensamento crítico que aponte saídas para velhas e novas urgências.”
Em um eco dos multifacetados heterônimos do poeta, Pessoa desde o início equilibrou seções de ficção e poesia com reportagens, ensaios e pensatas, de autores que vão do Brasil a Timor-Leste, de Portugal a Angola, de Cabo Verde a Moçambique.
“A pluralidade, claramente, é outra caraterística pessoana que pretendi reproduzir. A revista é polifônica, sempre buscou captar as mais diversas tendências do panorama literário e dialogar com os mais diferentes perfis de leitores”, ressalta Mirna.
A escolha do nome também refletiu uma busca pelo acessível. “Precisava de um nome que atravessasse todos os países de língua portuguesa, que não precisasse de apresentação. E a minha ideia no Brasil era de contribuir com a popularização do acesso à literatura, o título teria que ser facilmente reconhecível, algo familiar. Eu queria a Pessoa nas ruas, não nos salões de chá, para potenciais leitores, não para os habitués.”
Nesse ponto, a Pessoa tem sido bem sucedida, se é verdade que tem sido utilizada como referência em alguns departamentos de literaturas de língua portuguesa nas universidades mundo afora, recentemente serviu de apoio para um projeto desenvolvido com estudantes do ensino técnico de Floriano, no Piauí.
Hoje em Lisboa, Mirna recorda o entusiasmo do lançamento da revista, que nasceu digital e impressa. O número zero foi distribuído na Bienal do Livro de São Paulo, em 2010, com apoio do Museu da Língua Portuguesa e da Imprensa Oficial do Estado.
“As pessoas estavam tendo contato pela primeira vez até com o conceito. Me lembro de apresentar a revista às editoras e ouvir ‘é autor lusófono? Não pode ser brasileiro?’.”
A revista foi uma tentativa da jornalista e editora paulistana de reconectar experiências vivenciadas durante 15 anos no exterior, entre Europa e Ásia, com passagens por países como Portugal e São Tomé e Príncipe, pequeno arquipélago cruzado pela linha do Equador na costa ocidental da África.
O intervalo cada vez maior entre as edições impressas - foram quatro, de julho de 2010 a junho de 2012 - foi de certa forma um efeito colateral inerente à tarefa de manter uma publicação literária com recursos que minguavam.
“Fui tocando no digital. Bati em todas as portas que se pode imaginar, recebi muitos parabéns pelo “belíssimo” projeto, e só. Então desisti de apoio e fui fazendo, não sei explicar como”, diz Mirna.
A escritora Carolina Vigna, colunista da Pessoa, enxerga aí um certo heroísmo. “Por um lado, eu fico triste que a gente dependa desses heróis, a Mirna, o Rogério (Pereira, editor do jornal Rascunho, que completou 20 anos em 2020). A gente não é nada, mas que bom que esses heróis existem, pegaram essa luta para si. Eu não faço essa luta, não faço um vigésimo do esforço para manter uma vida literária em português existente no Brasil.”
Mirna, por outro lado, se vê “mais como triste figura do que heroína”. “São muitas as pessoas que trabalham com literatura por pura teimosia. Ou fazemos literatura apesar de toda a precariedade ou aceitamos a exclusão do sistema literário.”
A tecnologia, para ela, ajudou a furar uma dinâmica marcada pela falta de incentivos públicos consistentes e por recursos privados geralmente destinados aos mesmos agentes culturais. “Sem qualquer aparato, do quintal da minha casa, faço uma revista, é verdade. No entanto, não consigo viabilizá-la comercialmente. A revista depende dos leitores.”
Utopia contemporânea
Para amplificar a presença da revista na internet, o escritor e jornalista Carlos Henrique Schroeder subiu a bordo em 2014 como editor-executivo, posto que ocupou por dois anos.
“Conseguimos montar um time de colaboradores que fez história na revista e na literatura brasileira, como Elvira Vigna e Victor Heringer, e muitos outros”, diz Schroeder.
“Lembro, especificamente, de duas seções que me deram muito prazer em editar: Poema em linha reta, que toda semana recebia um convidado discorrendo sobre o poema de sua vida, aquele que considerava o maior da língua portuguesa, e por ali passaram dezenas de poetas representativos e poemas maravilhosos. E Os colombos, comandada pelo Rafael Monte e pelo Bolívar Torres, um baú de histórias de escritores esquecidos, um verdadeiro almanaque do submundo da vida literária brasileira.”
Por seis anos, o conteúdo da revista foi totalmente aberto --- as despesas do site eram bancadas por Mirna. Foi aí que um aporte do empresário Nicholas Reade permitiu o investimento em um site novo e na implementação dos sistemas de assinatura e micropagamento, opção na qual o leitor paga apenas pelo texto que pretende ler.
“O micropagamento foi uma grande aposta minha, já que o paywall hard não era uma alternativa. Queremos ser lidos. Depois de pesquisar pelo mundo modelos de publicações digitais, conclui que a compra avulsa de artigo era a via mais democrática para garantir alguma receita.”
Essa nova fase da Pessoa começou em 2016. Naquele mesmo ano, a revista dedicou uma coluna de entrevistas ao marco dos 500 anos da publicação de “Utopia”, de Thomas More. Nas conversas capitaneadas pela escritora Paula Fábrio, a ideia era problematizar o “lugar” da utopia no mundo contemporâneo.
Paula voltou com uma segunda coluna de entrevistas com escritores e intelectuais ainda naquele ano, desta vez com teor mais distópico, “para entender o rumo que as coisas vinham tomando na política do Brasil”, conta ela.
Enquanto isso, a literatura mantinha seu espaço cativo. Também naquele ano, por exemplo, a editora Heloisa Jahn assumiu a curadoria da coluna Fingimento, de poesia brasileira contemporânea.
“Sou fã da Pessoa basicamente por duas razões”, conta Heloisa. “É uma revista inteligente e contemporânea. Inteligente pelo conteúdo e pelo estilo: colaboradores variados oferecem seus escritos ou escrevem sobre seus assuntos sem a preocupação de dirigi-los a esse ou aquele público. Contemporânea porque está viva: o que é publicado surge do dia a dia do pensamento e das criações literárias dos colaboradores e se trama ao cotidiano dos leitores.”
A curadoria de escritores e editores consagrados - como Moacir Amâncio, Vilma Arêas, Manuel Alberto Valente, Noemi Jaffe e Joselia Aguiar, entre os já citados acima - foi parcela importante do esforço desses dez anos em apresentar novos autores do universo da língua portuguesa.
Dois anos antes de vencer o Prêmio Oceanos com o romance “Luanda, Lisboa, Paraíso”, a luso-angolana Djaimilia Pereira de Almeida presenteou os leitores da Pessoa em 2017 com sua coluna mensal Interiores-Exteriores.
Carola Saavedra lembra com carinho da coluna em que apresentou Rita Carelli, Simone Az, Louise Belmonte, Maria Helena Machado e Angela Marsiaj, “mulheres que estavam começando, que eu tinha lido, gostado muito do trabalho e que eu achava que teriam um nome no mundo literário”.
Para a escritora, a sobrevivência da Pessoa durante uma década se deu justamente por se permitir ser “esse espaço raro de diálogo entre autores que normalmente não se encontrariam e entre leitores que não se encontrariam”.
Lucílio Manjate é outro exemplo. Convidado por Mirna, ele publicou em 2018 na revista um conto inédito, “O homem elementar”, selecionado mais tarde para ser publicado, na sua versão em inglês, na Words Without Borders. Autor de romances, novelas, livros infantojuvenis e de crítica literária, Manjate é uma revelação da nova literatura moçambicana.
Na avaliação dele, o diálogo literário entre os países de língua portuguesa “melhorou entre aspas” na última década. “Está mais fluido, é verdade, sobretudo por conta das novas tecnologias de informação e comunicação.” Mas “o intercâmbio piorou se pensarmos que há uma espécie de demissão de algumas organizações que deviam apoiar as artes em geral”.
Ele critica a ausência de um plano comum de divulgação dos autores no âmbito da CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. “Insisto nesta instituição porque ela pode fazer muito mais: precisamos de bolsas de criação literária, muito mais festivais, tutelados até por esta instituição.”
Apesar dos desafios de sempre, Manjate também aponta avanços.
“Em relação a Moçambique, o olhar que o Brasil pisca, hoje, aos autores moçambicanos não seria possível há 15 ou 20 anos. Ou seja, estaríamos a falar de autores já então consagrados, casos de Mia Couto, Paulina Chiziane, Ungulani Ba Ka Khosa, Aldino Muianga, Eduardo White, Armando Artur, só para citar alguns nomes. Hoje, o interesse do Brasil encontra um leque de autores entre gerações diferentes e a trabalharem em géneros que antes não eram, digamos, muito explorados. Basta ver o catálogo de uma editora como a Kapulana para perceber isso.”
O pensamento do escritor Luiz Ruffato segue essa mesma linha. Ele, que diz ter ajudado Mirna com “alguns contatos, nada mais” no início da Pessoa, teve um papel fundamental, primeiro como presidente do conselho editorial da revista no lançamento do projeto, depois como curador por dois anos das seções de prosa e poema, nas quais apresentou para os leitores da revista nomes como Edimilson de Almeida Pereira e Micheliny Verunschk.
“O esforço que a Mirna fez e faz é louvável, ela tem aberto muitas frentes de como atuar nesse espaço diverso e complexo, mas a gente esbarra na questão institucional. Alguns países africanos não têm dinheiro para investir, e outros, que têm dinheiro para investir, como o Brasil, não têm interesse. Isso já era uma verdade antes do governo Bolsonaro, e agora se tornou uma catástrofe.”
Para ele, é patente a falta de um instituto para a língua portuguesa nos moldes do Cervantes para a língua espanhola. “Temos o Camões, que faz um trabalho louvável, só que eles fazem um trabalho de divulgação da língua portuguesa europeia, e estão certíssimos, o dinheiro é de Portugal. Eu sempre defendi a ideia de que nós tivéssemos um instituto único que divulgasse a língua portuguesa de maneira geral, mas não há interesse nem de Brasil nem de Portugal em levar para a frente.”
Ao analisar a falta de uma comunicação mais intensa entre as esferas da literatura em língua portuguesa, o poeta e crítico literário Sérgio Alcides enxerga alguns sintomas interessantes e aponta razões históricas para explicar esse quadro.
“Do ponto de vista do leitor e do escritor, a língua é uma unidade poderosa, mais poderosa que as nacionalidades. E há um forte índice de provincianismo no fato de os leitores brasileiros conhecerem melhor a literatura contemporânea americana ou francesa do que a portuguesa ou moçambicana, por exemplo”, afirma ele, que também é professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.
As raízes para esse estranhamento, como Alcides o chama, do brasileiro com o mundo lusófono estariam nas circunstâncias da independência do Brasil.
“O antilusitanismo foi forte nas primeiras décadas da nossa história como país independente. Houve uma necessidade que se percebeu na época de quase inventar uma nação, e se existe a nação brasileira deve existir uma literatura brasileira. Isso coincidiu na primeira metade do século 19 com o momento em que se tornou historicamente concebível a noção de que as literaturas são nacionais. Antes, a ideia de literatura estava mais associada às línguas do que às nações.”
Na visão de Alcides, “a existência de uma revista como a Pessoa fortalece a noção de um público nessa zona de interseção da lusofonia”. “É um lugar de muita esperança para a língua portuguesa.”
O poeta e editor português Manuel Alberto Valente destaca na revista a “tentativa de por em confronto, por em movimento, as várias literaturas da língua portuguesa, não só de Portugal e do Brasil, mas de todos os outros países que falam a nossa língua comum”.
Na Pessoa, Valente foi curador de uma seção que garimpou nomes da poesia contemporânea portuguesa ainda pouco conhecidos fora de Portugal, como Golgona Anghel, Filipa Leal, Margarida Ferra, Inês Fonseca Santos e João Luís Barreto Guimarães, entre outros.
Pontes em um espaço multilinguístico
Expor e conectar a produção de tantas latitudes e longitudes é um desafio que a própria Mirna reconhece. Ao citar o Timor-Leste, por exemplo, ela lembra do escritor Luís Cardoso de Noronha. “Na ficção, ele é o autor da diáspora de maior projeção, que publica desde a década de 90 até os dias atuais. A partir da independência, há um esforço para a construção de um sistema literário, com autoria em português e em outras línguas, principalmente o tétum”, diz, referindo-se ao outro idioma oficial do país do Sudeste Asiático.
O tétum é a língua mais usada pelos timorenses desde que os indonésios proibiram o português durante a ocupação que se deu entre o fim da colonização de Lisboa e a independência definitiva do Timor, em 2002.
Por isso mesmo, o termo “literatura lusófona não reflete a complexidade da comunidade dos países de língua portuguesa”, afirma Mirna. “São muitas literaturas, num espaço multilinguístico. Mesmo que o escritor se expresse em português, tem um contato com outra ou outras línguas nacionais que penetra na literatura dele.”
Ao conceber a Pessoa, Mirna pensava em um projeto de ao menos cinco anos. “Acho que é o mínimo para refletir uma produção de uma certa época.” Surpresa, ou não, os cinco viraram dez. No meio do caminho, parcerias importantes ajudaram a dar fôlego à empreitada.
Uma delas foi com a revista digital Words Without Borders, que, nas palavras do seu editor, Eric Becker, “visa trazer a literatura internacional aos leitores de língua inglesa, principalmente os americanos”.
Foi no âmbito da parceria com a Words Without Borders que a Pessoa publicou, em 2017, um conto da escritora chinesa Can Xue, indicada dois anos depois ao International Booker Prize pelo romance “Love in the new millennium”.
“O nosso objectivo é publicar cedo (alguns diriam “descobrir”, mas é uma terminologia que me soa demasiado colonial) escritores do mundo inteiro, abrindo sua escrita a um público americano, com a ideia de que depois irão conseguir ter seus livros traduzidos e publicados por editoras de língua inglesa.”
O contato com a Pessoa, lembra Becker, começou quando o PEN American Center, em 2015, encomendou uma antologia de literatura brasileira contemporânea. À época, ele havia vertido para o inglês uma coletânea de contos do moçambicano Mia Couto.
“Eu sempre prefiro fazer este tipo de trabalho em parceria com outro editor ou tradutor. Acho perigosa a ideia de um único indivíduo ser o encarregado de apresentar ou fazer uma seleção de qualquer literatura, ainda mais no caso de uma literatura vindo de outra cultura.”
Por meio da tradutora Alison Entrekin, Becker chegou a Mirna, e ambos editaram juntos a antologia. A ela se seguiu a ideia “de fazer algo mais duradouro para a literatura brasileira em língua inglesa”.
O resultado foi uma antologia bilíngue impressa com textos de autores publicados no âmbito da parceria de troca de conteúdo entre a revista Pessoa e a Words Without Borders. O que seria um simples lançamento da coletânea se transformou na primeira edição do The Pessoa Festival em Nova York, realizado em 2018, com a participação de escritores como Alexandre Vidal Porto, Carol Rodrigues, Estevão Azevedo, Isabel Lucas, entre outros. Uma segunda edição do festival, ampliada, aconteceu em Lisboa, em 2019, com o apoio do Lisboa Pessoa Hotel, e reuniu durante três dias cerca de 30 pessoas, entre escritores, jornalistas, editores e críticos literários do Brasil, Portugal e Moçambique.
Antologias, aliás, não faltaram nesta primeira década da Pessoa. Duas digitais foram lançadas com curadoria de Luiz Ruffato, reunindo escritores publicados na revista, de 2011 a 2013.
Em papel, com organização de um importante parceiro da revista, Leonardo Tonus, foi lançada no Salão do Livro de Paris uma obra em francês com textos de 27 autores, incluindo literatura infantil e teatro.
Os norte-americanos ganharam a sua versão em inglês no primeiro evento do Boston Book Festival dedicado à literatura brasileira, em 2015. Até em árabe a Pessoa botou para circular escritores como Milton Hatoum, Raduan Nassar, Ana Miranda, Maria Valéria Rezende e Marcelo Maluf. O lançamento foi um dos destaques do Kalima – projeto emirati de apoio à tradução de línguas estrangeiras para o árabe, na Feira do Livro de Abu Dhabi, em 2019.
Mais recentemente, a parceria com o LCB diplomatique, portal literário do Colóquio de Literatura Berlim, contribuiu para expandir os horizontes da Pessoa, com publicações de crônicas como a da escritora cabo-verdiana Dina Salústio e do poeta haitiano-canadense Rodney Saint-Éloi.
Quando pensava em encerrar a revista, e a ideia lhe ocorreu em mais de uma ocasião, Mirna colocava na balança tanto questões práticas e financeiras como de uma certa responsabilidade para com a criatura que criou.
“Não queria simplesmente apagar um acervo de dez anos, e o trabalho para passar esse bastão não seria pequeno nem indolor”, diz ela. “A revista faz sentido para cerca de 30 a 35 mil leitores por mês e para uma comunidade literária que encontra na revista um canal de expressão. Ela pretende captar e capturar o contemporâneo, dar escuta a novas vozes, não há espaço na grande imprensa para todas essas pessoas, ou há por muito tempo para os mesmos", opina. "As revistas independentes contribuem com um processo de oxigenação. Dá uma enorme satisfação ver depois nomes cooptados ou ideias reproduzidas pelos grandões”.
O reconhecimento institucional com o Prêmio IPL - Retratos da Leitura que a revista ganhou no ano passado deu ânimo. O sinal definitivo para sua tomada de decisão veio com o convite de um amigo para criar um espaço cultural em Lisboa. Mirna antecipa que, se a pandemia der trégua, a inauguração, prevista inicialmente para abril, será em setembro.
“Depois de dez anos, e no cenário atual, o projeto morreria ou partiria para um novo desafio. Vamos finalmente, de alguma forma, ganhar a rua. Nasce a Casa Mombak, um lugar de mediação entre as ideias que circulam na revista e o público. Sempre digo que a revista Pessoa é uma roda que chama para a conversa. Essa roda agora ganha concretude e segue com o seu objetivo de alargar o debate.”
*
Acima de tudo, destacaria na Pessoa essa tentativa de pôr em confronto, pôr em movimento, as várias literaturas da língua portuguesa, não só de Portugal e do Brasil, mas de todos os outros países que falam a nossa língua comum. Esse intercâmbio num certo sentido melhorou. Mas não me parece que de um ponto de vista editorial se tenha melhorado muito, e é também por isso que a revista é muito importante, porque, apesar de tudo, faz esse trabalho.
Manuel Alberto Valente, poeta e editor português
Algo deve mudar para que tudo continue como está”, diz o personagem do clássico romance do Lampedusa. A Mirna mudou várias vezes a equipe da revista, percebendo o melhor momento para cada redirecionamento, e isso foi muito importante, para manter o vigor e a vitalidade. A Pessoa de hoje é muito diferente da de 2018, de 2016, de 2014, e ainda mais de 2010. E cada período teve seu brilho próprio.
Carlos Henrique Schroeder, escritor e jornalista, foi editor-executivo da Pessoa entre 2014 e 2016
A minha mãe [Elvira Vigna] falava da Pessoa como sendo justamente um lugar de uma riqueza plural maravilhosa, ela se referia à Pessoa com esses termos. E eu concordo com essa análise, essa é a grande beleza da Pessoa: ela se permite ser plural, dar voz a vozes muito diferentes, e sem com isso perder uma certa identidade. É uma medida difícil.
Carolina Vigna, escritora e colunista da Pessoa
Acho que a força da Pessoa está no seu papel como o palco para escritores de diversos países de língua portuguesa — a revista, ao meu ver, é um dos poucos espaços onde este diálogo de fato chega a existir.
Eric Becker, tradutor e editor da revista Words Without Borders
Eu acho que a revista me ajudou muito mais do que eu ajudei a revista. O meu trabalho é diretamente afetado pela Pessoa, que faz um trabalho de divulgação dessa literatura que a gente publica na Coleção Gira, somente de autores lusófonos.
Gustavo Faraon, editor da Dublinense
Colaboradores variados oferecem seus escritos ou escrevem sobre seus assuntos sem a preocupação de dirigi-los a esse ou aquele público. Trazem o prazer da leitura, provocam a reflexão e informam, tudo junto e do melhor jeito para quem gosta de viver na literatura.
Heloisa Jahn, editora e tradutora
O que diferencia claramente a Pessoa é a tentativa de construir uma ponte entre as culturas de língua portuguesa. Isso faz com que a revista tenha um lugar bastante específico no mercado editorial.
Luiz Ruffato, escritor, foi presidente do primeiro conselho editorial da Pessoa
A revista é meu “recreio” e me permite ter informação rápida e qualificada sobre a literatura lusófona que cresce a cada dia e poder correr atrás de lê-la e me manter viva! Creio o papel da Pessoa é o de dar à luz a amplitude e a vitalidade de nossa língua e “pátria”, herdeira de tantos outros idiomas que foi capaz de assimilar, que faz da nossa literatura um relato importante da vida em tantos continentes.
Maria Valéria Rezende, escritora
A Pessoa é um grande farol. Ao longo desses dez anos continua sendo o que se propôs a ser desde o início, manteve a chama acesa, um lugar onde a língua portuguesa se encontra e onde encontra os leitores.
Marianna Teixeira Soares, agente literária
A literatura brasileira parece que fica no meio do caminho entre Portugal e África, entre os dois universos, e acho esse trânsito maravilhoso. O Brasil demorou muito para olhar para a literatura africana, e mesmo a portuguesa tinha um interesse restrito. A revista Pessoa faz essa ponte, essa aproximação, e é uma das responsáveis por esse trânsito.
Marta Garcia, editora da Chão
A diminuição do espaço na imprensa de papel não encontrou ainda essa compensação na internet, mas a Pessoa é um bom índice de possibilidade, do que dá para fazer. A revista tenta se contrapor a um cenário visto principalmente nos cadernos de cultura, nos quais se priorizam imagens e notícias superficiais em detrimento de textos mais longos.
Noemi Jaffe, escritora e crítica literária
Chegar ao décimo ano tem muito a ver com a qualidade da revista. Temos várias revistas online, muito boas também, mas acho que a Pessoa foi tenaz, na pessoa da Mirna Queiroz, sobretudo. A tenacidade dela tem muito a ver com essa perenidade da revista.
Paula Fábrio, escritora
A revista Pessoa tem grande importância por trabalhar na contramão desse estranhamento, dessa falta de comunicação mais intensa entre as esferas da literatura em língua portuguesa. A revista também não tem a menor sombra de academicismo. É uma revista de crítica, de reflexão, onde é possível refletir sobre artes e literatura em público, de peito aberto, sem títulos, sem nota de rodapé, diante das pessoas instruídas que querem participar de um debate.
Sérgio Alcides, poeta e crítico literário
Acho que é bom a revista fazer essa aproximação, as coisas começam a circular. A Pessoa é muito internacional, ela inclui uma quantidade grande de escritores de outros lugares, de todas as idades.
Vilma Arêas, escritora
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