Romy é uma linguista do alto de seus quatro anos e meio. No carro, há uma semana, ela calmamente observa uma menininha andando de bicicleta e diz "Olha, ela tá bicicleteando." Logo depois, ela usa o verbo bicitar com o mesmo sentido.
Hoje, como o dia está lindo, ela decreta, do jeito mais sério que se pode imaginar: “Vamos bicitandar, pai."
No espaço de uma semana, Romy enriqueceu o dicionário da língua francesa com três verbos de ação: bicicletear, bicitar e bicitandar.
O que eu poderia dizer? Sou escritor e editor na editora Mémoire d’encrier, cuja missão é a diversidade. Devo dizer-lhe que a gramática, as enciclopédias e as academias não permitem a utilização desses verbos? Naturalmente, fico do lado da Romy contra a gramática e as instituições encarregadas do bom uso da língua francesa. Começo a repetir com ela os verbos bicicletear, bicitar e bicitandar. Acredito sinceramente que a língua francesa acaba de ser enriquecida com três palavras reluzentes.
Adoro essas vielas que se confundem com o sol. Quando surge a primeira nesga de sol em Montreal, a cidade bicicleia e borbolereia. A cidade dansareia e saracocheia. Foi o que aconteceu no último dia de abril. A primavera e o sol formam um par. A minha filha está feliz com a sua bicicleta branca. Ela bicicletea com todo esplendor num parque do bairro Mile End. É preciso admitir que a chegada da primavera continua sendo o maior evento de Montreal.
À tarde, na rua Côte-des-Neiges, leio, desconcertado, o aviso “Livraria Olivieri fechada por tempo indeterminado”. Foi a primeira livraria que visitei em Montreal, há mais de trinta anos. Foi também a única livraria que se abriu às culturas de todo o mundo, à diversidade. Trata-se de um duro golpe!
O dia em que a famosa livraria de Montreal fecha é o dia em que Romy faz uma contribuição fulgurante à língua francesa. Abre-se uma nova era. Outra termina. Para compreender o que está acontecendo, escuto bem lá no fundo a voz da Romy que pronuncia sem pedir permissão a ninguém os verbos bicicletear, bicitar e bicitandar.
Continuo o meu caminho no bairro Côte-des-Neiges, onde mais de 170 comunidades e nacionalidades se encontram e interagem, inventando línguas misteriosas para tomar conta da cidade. Que grande e bela diversidade faz o coração da cidade bater. Paro no bairro Parc-Extension, onde ouço as pessoas falando panjabi, crioulo, urdu, árabe, tâmil, grego, bengali… Voltando para casa, um senhor hassídico me diz “Sholom aleichem”. É a face de Montreal que eu gosto. Eu escrevo DIVERSIDADE. Essas vozes, línguas, faces, imaginários representam a minha luta contra o racismo e os meus sonhos de viver junto.
Tradutores: Vinicius Carneiro e Mathilde Moaty
Essa crônica foi publicada originalmente no portal LCB diplomatique em francês, inglês e alemão e é apresentada na Pessoa em português como parte de uma parceria. Confira a versão original aqui.