Em reposta à Joana Bértholo, Miguel Clara fixa o exato momento em que tudo parou à sua volta, o seu último take, o derradeiro movimento de autonomia sobre a realidade. Examina o ponto de ruptura como quem busca o caminho para uma nova ordem.
A missiva faz parte de Cartas de um outro tempo, projeto que procura captar a sensibilidade de figuras do campo cultural à nova realidade imposta pela pandemia, num mundo vazio visto das nossas janelas.
Que bom receber uma carta tua, minha querida Joana!
Fora eu muito supersticioso e acharia que, por se cancelar um jantar, cancelou-se a viagem e a vida. Não, não se pode ser muito supersticioso quando nenhum astrólogo previu nem a pandemia nem o confinamento e uma taróloga até me auspiciou o ano de 2020 pleno de concretizações profissionais…
Tudo é relativo, diz-se.
Será?
Será relativo esse antigamente em que sempre vivemos e, de súbito e há poucas semanas, terminou?
Quando caminhar na rua era passear, encontrar pessoas, conversar, ir para o trabalho, jantar fora, cinema, teatro, vernissage, festa, concerto, loucura total? Total em quê? De...