Cartas de um outro tempo

Carta a Ricardo Ramos Filho

Ronaldo Cagiano

Foto: Sunyu

2020-04-04

No seu refúgio doméstico, na condição de exilado voluntário, Cagiano dá conta ao amigo Ricardo Ramos Filho de sua indignação com a devastação há muito tempo em curso e agora tornada inegável pelo novo vírus. Mas não se rende ao derrotismo. Dos escombros, enxerga vestígios do que há de melhor na natureza humana. E faz sua aposta na palavra, que maneja com força, como arma contra toda forma de bestialidade.

A missiva faz parte de Cartas de um outro tempo, projeto que procura captar a sensibilidade de figuras do campo cultural à nova realidade imposta pela pandemia, num mundo vazio visto das nossas janelas.

O presente é tão grande, não nos afastemos,
não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Carlos Drummond de Andrade

São Pedro do Estoril, 25 de março de 2020.

Meu caro amigo Ricardo,

Em meio às más notícias que vêm do Brasil, dando conta dos desatinos psíquico-criminais daquele que alçou-se a dirigente da Nação com a bengala das mentiras, que culminaram em seu diarreico pronunciamento de ontem, com sua retórica canina e eloquência miliciana tentando desacreditar a pandemia do coronavírus, debochando da ciência e incitando, delirantemente, a população a descumprir a quarentena recomendada pela Organização Mundial de Saúde a todos os...

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Ronaldo Cagiano

Mineiro de Cataguases, morou em Brasilia e São Paulo e vive em Portugal. É autor, dentre outros, de Dezembro indigesto (Prêmio Brasília de Literatura 2001 - Contod), Dicionário de pequenas solidões (Contos, Ed. Lingua Geral, Rio, 2006), Eles não moram mais aqui (Contos, Ed. Patuá, SP, 2015/Ed. Gato Bravo, Lisboa, 2018 - Prêmio Jabuti 2016) e O mundo sem explicação (Poesia, Ed. Coisas de Ler, Lisboa, 2019).

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