Dois anos depois de estrear com o elogiado livro de contos A teta racional (Grua), finalista do Prêmio Clarice Lispector, da Biblioteca Nacional, a escritora Giovana Madalosso está lançando seu primeiro romance, Tudo pode ser roubado (Todavia). O livro é narrado por uma mulher que, na dupla condição de garçonete de um restaurante badalado em São Paulo e ladra que seduz seus clientes endinheirados, transmite uma visão mordaz da elite paulistana. O eixo central da trama é um golpe para roubar uma edição rara de O Guarani, o clássico do escritor romântico José de Alencar, o que faz da própria literatura um dos elementos temáticos do romance, numa abordagem irreverente que coincide com a atitude de dessacralização defendida pela autora. Nesta conversa, Giovana define sua protagonista como uma anti-heroína que tira do mundo masculino o monopólio da figura do malandro. Clique abaixo para escutar a entrevista ou leia a seguir alguns trechos.
FEMINISMO. Não tem como você não se posicionar politicamente com tudo o que faz. Mesmo que você não queira, seu livro é político, de certa forma. Isso nunca está para mim lá no começo, na hora da criação. Mas, depois que o trabalho começou a andar e eu fui olhar de uma maneira crítica, me alegrou ver que eu tinha uma personagem que, por mais que não empunhasse nenhuma bandeira, é uma personagem pouco óbvia na literatura em geral e na literatura feita por mulheres. E ocupa também o lugar da malandragem, que é o lugar do homem, o anti-herói. Uma anti-heroína, finalmente. Geralmente [na literatura] a gente tem as mulheres muito ligadas a assuntos da casa ainda: a maternidade, o casamento, a relação familiar. A mulher fica dentro dessa esfera. Não lembro até agora, talvez eu esteja muito enganada, e provavelmente estou, mas não me ocorre facilmente nenhuma outra [personagem] desse tipo. Mesmo que eu não traga um discurso com ela, consigo provocar um rompimento nesse sentido, e isso já me deixa satisfeita.
CÂNONE. Tem obras que são incríveis e, no momento em que foram feitas, provocaram uma ruptura, são fantásticas, devem ser respeitadas, mas acho que a gente também tem que estar à vontade para falar que acha algumas delas chatas, difíceis de ler. (...) Eu acho que a gente tem que estar mais à vontade para falar de literatura, né? As pessoas têm muitos dedos para falar de muitas coisas, e eu acho que, a partir do momento que a gente, vamos dizer assim, dessacraliza a literatura, a gente fica mais à vontade para amar ela. Eu me interesso, eu acho bacana que ela possa se aproximar da gente, que ela não esteja num degrau acima.
O podcast "Chamada literária" é produzido mensalmente por Miguel Conde e Diogo de Hollanda. Os jornalistas se revezam na condução das entrevistas.