Flagrante literário de Maria João Cantinho, professora, ensaísta, poeta e crítica portuguesa.
Há dois anos descobri a escrita de Helder G.Cancela, com o seu romance Impunidade. É importante frisar a qualidade da sua obra, pois, por motivos inexplicáveis, ela não está no roteiro dos autores de que mais ouvimos falar e constitui um dos mais interessantes livros que li ultimamente. Possui uma rara capacidade de (nos) tocar através da abordagem dos grandes problemas contemporâneos da identidade europeia (a história passa-se em Espanha e foca-se na personagem de um rapaz filho de uma espanhola e de um marroquino), a violência dos jovens europeus de segunda geração, face à cultura e aos costumes da Europa Ocidental. Cancela é um autor visionário, nesse sentido, que faz a diferença, relativamente aos escritores da sua geração. Professor de Estética e de Filosofia, a sua escrita encontra-se eivada de uma profunda capacidade de reflexão que se alia à sua extraordinária escrita, escorreita e sem artifícios, poderosa e imagética.
Profano, profano, profano. Profano o tempo, profana a terra, profana a língua, profana a lei. Tempo e terra, língua e lei, sem outro tamanho que não aquele que por si próprios possam produzir. Causa e consequência, circunstância, condição, isso que a si mesmo, e contra a estrita ideia de civilização, se pesa, se mede e se diz. Contra a civilização, contra a culpa, contra a língua, contra a lei. Contra a proibição inscrita na carne como coisa congénita.
Trecho do livro: A Impunidade
Autor: Helder G. Cancela
Editora: Relógio D'Água
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