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Antonio Candido fala de caráter passional de Oswald de Andrade

Antonio Candido na solenidade de abertura da 9ª Festa Literária Internacional de Parati (RJ), em 6 de julho de 2011. Foto: André Gomes de Melo



2012-03-11

A nona edição da FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty, palco do exercício da livre expressão de pensamento, teve abertura marcada por intensa movimentação. Manifestações culturais de vários gêneros, protestos e ativismo político-social – com enérgica passeata de professores cariocas contra os baixos salários e abordagens do Greenpeace – ecoaram ontem nas ruas de pedregulhos irregulares no trecho histórico da cidade.

Neste ano, com todas as tendas racionalmente concentradas num mesmo espaço, próximo à praia, a festa homenageia Oswald de Andrade e convidou para seu debate de introdução o grande crítico literário Antonio Candido e José Miguel Wisnik, músico, crítico e professor da USP.

Ovacionado pelo público, que entusiasmado com a sua entrada acabou interrompendo a apresentação de Manuel da Costa Pinto, curador da FLIP, Candido, que logo completará 93 anos e há muito tempo se afastou das atividades intelectuais e acadêmicas, disse ter aceitado o convite para a FLIP por se considerar “talvez o último amigo vivo de Oswald de Andrade” (a quem se refere como Oswaldo). Em seu livro Literatura e sociedade Antonio Candido escreveu que desde a Primeira Guerra Mundial o Brasil já vinha esboçando um fermento de renovação literária ligado sobretudo ao Simbolismo e que a Semana de Arte Moderna de 1922, inaugurando o Modernismo no Brasil, foi realmente o catalisador da nova literatura no movimento revolucionário que teve como fundadores, Oswald de Andrade e Mário de Andrade. “Sem esses dois, o Modernismo não teria tido tal dimensão”, comentou.

Na FLIP, para a surpresa de quem esperava uma análise crítica com sotaque acadêmico sobre o Modernismo ou o autor de O Rei da vela, Antonio Candido, após saudação à ministra da Cultura Ana de Hollanda, avisou logo de entrada que discorreria sobre o homem, como um modo de situá-lo na compreensão de sua obra. Em tom anedótico, como num bate-papo agradável sem prejuízo da profundidade, um dos maiores nomes que a crítica literária brasileira já registrou falou do caráter pitoresco e passional de Oswald de Andrade, que embora não fosse de sua geração (trinta anos os separavam no tempo, mas não nas ideias), foi seu amigo próximo, durante os seus últimos dez anos de vida. “É importante conhecer a biografia de certos escritores. As vidas de Byron e Castro Alves são exemplos em que a biografia devora a obra. Há escritores que constroem sua vida como a uma obra”, disse, citando Oscar Wilde, em analogia com o percurso de Oswald de Andrade.

Candido descreveu Oswald de Andrade como um excêntrico que gostava de chocar. Em sua opinião, esses traços de personalidade possibilitaram a criação de uma lenda em torno de si que dificultaram o conhecimento de sua obra. “Era de um brilho verbal que só quem o conheceu pode avaliar. Jorro de humor dionisíaco, a presença de espírito em Oswald de Andrade era quase inacreditável. Daí acabavam por criar ditos que não eram dele. Foi um mestre no jornalismo. Percepção rápida, expressão sintética, imagem fulgurante: o seu jornalismo foi tão importante quanto a sua poesia, teatro e ficção.

Outro traço da personalidade de Oswald de Andrade, segundo Candido, era a suscetibilidade à crítica. “Ele reagia, às vezes de forma cruel. Fez isso comigo, numa ocasião em que critiquei uma obra sua”. A seu ver, isto acabou gerando uma lacuna na fortuna crítica acerca do legado oswaldiano: “os críticos da época preferiam não escrever nada a ficar à mercê do seu sarcasmo brilhante. Quando malhava alguém, não tinha limites. Mas tinha paixão por literatura e ainda que estivesse indisposto com um autor, passava por cima quando a questão era reconhecer o valor de uma obra. Oswald explodia, mas não guardava rancor. Desfazia e refazia amizades com muita facilidade. Com Mário de Andrade, porém, isso não foi possível. Após o rompimento dessa amizade, passou a vida inteira tentando se reconciliar com Mário de Andrade, sem sucesso.

Em sua descrição, acrescentou: “Oswald de Andrade era um inconformado com a sociedade. Acreditava que a injustiça social se dava pelo fato da sociedade ter se baseado em padrões masculinos. Para ele, a sociedade deveria se basear no princípio feminino. Ele dizia que as mulheres eram criadoras de vida. Foi rico, foi pobre, mas foi constante no princípio de uma sociedade justa. Era um anarquista. Depois, stalinista. Chegou à ideologia de um socialismo humanístico. Moveu-se em vários sentidos, mas manteve coerência em suas ideias de restauração da dimensão utópica”.

Para Antonio Candido, o riso, a possibilidade de levá-lo à literatura até então taciturna e bolorenta, foi a sua grande arma. “Oswald dizia que após Ulisses, de James Joyce, o romance teria de se modernizar. Dizia ainda, em pilhéria, que tudo o que se fizera antes disso, era de tração animal. Para ele, A montanha mágica, de Thomas Mann, era uma magnífica carruagem puxada a cavalos. Já a obra de José Lins do Rego, não passava de uma carrocinha”.

José Miguel Wisnik deu prosseguimento à abertura do evento restituindo o Modernismo em sua permeabilidade cultural e ideológica como grande propulsor dos movimentos a partir da década de 60, sombreada pela ditadura. Ressaltou a marca de Oswald de Andrade no Tropicalismo e nas ondas que viriam a seguir. “Uma corrente de influência antropofágica foi retomada a partir da década de 60. Oswald deu o timbre para o entendimento desse modo de ser”.



Vanessa Maranha
Vanessa Maranha nasceu em São Caetano do Sul (SP) em 1972, vive em Franca, é jornalista e psicóloga. Publicou o livro Cadernos Vermelhos (Fragmentos, 2003) e foi finalista no Prêmio Guimarães Rosa, da Rádio France, em 2001. Foi classificada em primeiro lugar no concurso de contos Realismo Fantástico Locos de Atar, na Argentina, em 1999. Em julho de 2004, venceu concurso de contos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), em Minas Gerais. Venceu também o Prêmio UFES de Literatura da Universidade Federal do Espírito Santo 2013/2014. Em 2005, teve um texto publicado no livro +30 mulheres que fazem a nova literatura brasileira, organizado por Luiz Ruffato e editado pela Record. Foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura com o livro Contagem Regressiva (selo Off Flip) na categoria Melhor Livro de Romance do Ano - Autor Estreante com Mais de 40 Anos.



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