Um poeta não deveria falar de poesia – tem dela sempre uma ideia inútil para os outros. Poderá falar do procedimento quando escreve poesia, de como começa a música, quais os instrumentos do eco, do ritmo surdo no estômago, os seus «tudos» e «nadas» da saciedade.
O poeta ouve com atenção, desdiz e refaz as ataduras das coisas, assim comanda a estabilidade do mundo: porque a poesia garante uma ordem última que nunca se consumará, donde o requisito de limpidez, uma limpidez intransigente, violenta, se necessário.
Talvez as ideias que os poetas têm de poesia conformem uma espécie de metapoesia, útil à própria poesia.
Assim são os aforismos de Nuno Félix da Costa, poeta e fotógrafo português, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Autor de vário livros, entre eles Cortex Frontal, Arte Última (poesia e fotografia), editado pela Casa Fernando Pessoa, Cinematografia (poesia) e Retratos de Hábito (fotografia), publicado pela Assírio e Alvim, Nuno prepara-se para o lançamento do seu novo título, ainda este semestre, em Portugal. Confira um dos capítulos de Pequena voz - Anotações Sobre Poesia, um ensaio em formato aforístico.
Os paroxismos da linguagem
1 A poesia nasce nos buracos do corpo onde fervem pequenas formas de vida, onde as imagens que vemos se moldam às interjeições. Não é o que sonhamos; a poesia desdenha o sonho – desabrochamento, descoberta mastigada, fios que a boca sopra ligam a teia a todas as coisas. O poeta dedilha-os, alguns rompem-se: música como leite.
2 Os trabalhos de Jouvet sobre a psicofisiologia da fase REM do sono ou sono paradoxal desmistificaram o sonho: mostraram como são prosaicos os conteúdos dos sonhos e relacionados com...